Reportagem do Diário do Pará na íntegra:
O relatório de Inteligência da Divisão de Homicídios da Policia Civil, sobre as interceptações telefônicas da “Operação Blindagem” - durante apuração para identificar os autores do atentado contra quatro advogados na estrada da Alça Viária, dentre estes Alessandra Souza Pereira, mulher do delegado Eder Mauro –, comprovou que o objetivo era matar o advogado Eduardo dos Santos Pereira, que voltava de um julgamento em Barcarena depois de fazer a defesa de um réu acusado de ter morto um policial militar.
A investigação policial descobriu que o veículo utilizado no atentado estava escondido na propriedade do secretário municipal de infraestrutura de Igarapé -Miri, Ruzol Gonçalves Neto, em Igarapé-Miri, o que demonstra o envolvimento de militares no crime.
Na maioria das conversas gravadas com autorização da Justiça, Ruzol é questionado pelo prefeito “Pé de Boto” sobre a segurança na cidade de Igarapé -Miri. O prefeito quer saber sobre arrombamentos, furtos e outros tipos de crime. Ele também se comunica com muita frequência com policiais da cidad, inclusive chega a determinar que policiais capturem dois homens em uma determinada localidade, no caso “Beré” e “Mial” ou “Bial”.
O secretário de Obras Ruzol, em conversa com interlocutor não identificado, afirma ter determinado um ataque a bairros da cidade, contra pessoas tachadas pelo prefeito de “marginais e vagabundos”. Em uma conversa que dura 81 segundos, o prefeito determina que Ruzol vá com eles (PMs) para “ataque na galera da Matinha, e dar uma arrebentada”. Em outro diálogo, que dura 137 segundos, Ruzol comenta com Elielson que falou com “Samarone”. Elielson diz que o sargento Moraes está chegando. Ruzol ordena que é para ele ir falar com ele. E afirma que ia “mandar matar logo uns 50, que não têm jeito”.
INFLUÊNCIAS
Outra conversa, com 99 segundos, é entre Ruzol e um homem não identificado, mas que a polícia diz ser o prefeito “Pé de Boto”. Ruzol diz que o “Barrasco” já está em cana e que mandou os pitbulls (PMs) segurarem ele, que ele “vai ter que entregar a bomba que levou do colégio e a balança que levou de um açougue lá em frente”.
Essas chamadas, na avaliação policial, demonstram que Ruzol e o prefeito têm influência sobre os PMs que atuam em Igarapé-Miri, determinando a realização de prisões e de ações policiais, fatos comprovados, inclusive, pelas investigações da Divisão de Homicídios.
Nesse tipo de crime, com participação de policiais militares destacados para Igarapé-Miri, fica evidente que a população do município ficou inibida de falar o que sabia, pois aqueles que eram responsáveis por assegurar a lei e a ordem eram os mesmos que a estavam descumprindo.
Depois disso, o próprio prefeito determina que Ruzol arranje entorpecentes para imputar a prática de crime de tráfico a Marcelo Matos dos Santos para que ele seja autuado em flagrante. A investigação policial constatou que o autor do flagrante forjado foi o policial militar Edson Carlos Souza, que afirmou na polícia ter ido atender uma ocorrência na Vila Maiuatá, onde flagrou Marcelo com a quantidade de 14 petecas de cocaína. Os PMs Dilson Harlem Nascimento Nunes e Rivadávia Alves dos Santos, ainda segundo a investigação, participaram da ação que resultou no flagrante forjado.
Marcelo disse ter sido preso quando bebia no cais da cidade e que, no momento da prisão, os militares já estavam de posse das petecas de cocaína para forjar o flagrante. Ele ficou preso durante 3 meses e 15 dias.
Em depoimento aos policiais que investigam as atividades criminosas do prefeito e de sua quadrilha, Marcelo identificou alguns matadores que agiam em Igarapé-Miri, cumprindo ordens do prefeito, destacando os militares “Blindado” e “Cabão”, além de “Boi”. Também declarou que outras pessoas presas foram vítimas de flagrantes montados. O cabo Edson, segurança do prefeito, estava envolvido na compra e venda de armas de fogo.
PEDIDO DE CPI
Na quarta-feira passada, da tribuna da Assembleia Legislativa, o deputado Edmilson Rodrigues (PSOL) cobrou do presidente da casa, Márcio Miranda, a imediata instalação da CPI das Milícias. Miranda deferiu o pedido, mas os trabalhos só irão começar depois que os partidos com assento na Alepa indicarem os membros da CPI. Edmilson, as cerca de 100 entidades e movimentos sociais do Pará, além de familiares das vítimas, estão incomodados com a falta de informações sobre a chacina de 10 pessoas, na madrugada do dia 5 de novembro passado, em vários bairros de Belém, numa onda de execuções sumárias após a morte de Antonio Carlos Figueiredo, o “cabo Pet”, da Rotam.
“Há quase um mês, o crime continua sem solução, apesar de tantas mortes, apesar de todo o aparato de inteligência da segurança pública. Talvez falte vontade política”, reclamou Edmilson. Na tribuna, ele lembrou ter conseguido as 14 assinaturas de deputados ao requerimento de CPI, conforme exige o regimento interno da Alepa, e de ter formalizado o pedido de instalação junto à mesa diretora da Casa, no último dia 25. Passados oito dias, nenhuma providência ainda havia sido tomada para a instalação.
Edmilson leu trechos do processo a que responde o prefeito, Ailson Amaral, o “Pé de Boto”, que esteve preso, acusado de chefiar uma milícia que mandava matar, prender e torturar pessoas do município. “Recebi de uma fonte o processo que corre em segredo de justiça. São muitas horas de gravação que confirmam a existência de milícia na Região Tocantina. Daí a importância da CPI. Se o desembargador (Romulo Nunes) afirma (no processo) que a milícia existe, não temos por que duvidar”, cobrou o psolista.
Segundo o deputado, qualquer atitude que destoe, postergue ou deturpe a adoção das medidas necessárias para instalação da CPI será “ato atentatório ao princípio da legalidade e da moralidade pública, ensejando medidas reativas não só por parte dos deputados signatários do requerimento de criação da CPI como também por parte de toda a sociedade paraense vítima direta e imediata da atuação dos grupos que serão objetos da investigação”.
(Diário do Pará)